sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Pulgas e Sabonete (Parte 2)

- Vamos esquisitinha... vou te contar sobre um botão diferente hoje.


Os esforços de Miranda haviam sido em vão, um suspiro, e ela voltava pra cozinha. Dona Rita pegou na mão da neta, elas andaram até o fim do corredor e se viraram para a última porta à esquerda. É... menina Rita, gata Soraya e a criança que reaparecera com os olhos esbugalhados e amarelos encararam a porta novamente. Botões me mordam! Como era emocionante.

Ritinha esticou a mão e girou a bola dourada, um cheiro de poeira entrou nas entranhas dos três visitantes- já acostumados se deliciaram com o cheiro, que pra eles significava apenas uma coisa: botões. Se botaram para dentro, cada qual foi para seu lugar. Dr. Kato caminhou pelas estantes se desviando dos botões e potes, parando sobre o raio de sol que adentrava o cômodo. Soraya saltitou até o fim da sala colorida e se afundou em uma das enormes poltronas, enquanto sua avó se achava na sua própria bagunça, procurando, com certeza, um botão.

Além do cheiro de poeira, o quarto tinha uma única janela enorme de vidro emperrada no canto, pela qual entrava os raios de sol; várias estantes velhas de madeira com vários vidros, ou cheios de botões, ou apenas com um; botões coloridos espalhados; papeis velhos, rasgados e sujos que pareciam classificar os botões; algumas outras coisas colecionáveis, não tão importantes quantos os botões, ou numerosos; e várias cores refletindo por todo cômodo vinda de fotos velhas pregadas em uma parede.

- Esses cinco aqui são de longe. Uma história... – ela analisou os botões, ponderando se já era hora de uma história tão- ...importante. – a velhinha trouxe cinco botões pretos reluzentes, cada qual com uma cor na borda.

Já acomodada na poltrona verde em frente à outra idêntica, ela olhou para sua neta. Soraya prendia os lábios inferiores com os dentes, olhava com as sobrancelhas erguidas para os botões, e parecia que acabara de quebrar dez mil vasos raros do Vô P e não pretendia contar para ninguém- ansiedade, adrenalina.


- Eu estava a léguas daqui, estava à procura da família da minha companheira de viagem, ela havia se entregado a uma doença fatal... pediu-me que levasse suas coisas para sua família. Estava carregando um bauzinho debaixo dos braços quando avistei uma grande árvore, e uma casinha bem ao lado...

A cada palavra e descrição, a pequena podia andar pelo campo ao lado da avó, avistando de longe a casinha com o telhado torto. Rita andou, segurando o chapéu cor-de-abóbora que o vento insistia em levar, cada vez pra mais perto da casinha que de perto não era tão pequena nem tão torta.

Apesar de sua simetria não ser lá atrapalhada, tudo em sua volta era. As roupas que secavam no varal tinham cores berrantes com todos os tipos de estampas, cinco pares de botas pretas tomavam sol perto da porta; as janelas abriam para dentro, e também as flores que costumavam ficar expostas do lado de fora se mostravam para os móveis de dentro; patos brancos estavam passeando pelo telhado, enquanto a grama verde era ocupada por pombas. Assim que foi avistada por alguém que admirava os pombos da janela, Ritinha gritou:

- Estou procurando a família de Gregória Germa. Ela me mandou.

Parou e esperou. Grega havia lhe contado sobre sua família, e contado sobre algumas regras que devia seguir (isso explica o chapéu estranho). Tentou não olhar com espanto para as coisas, mas ainda era muito jovem, tinha acabado de fugir de casa quando conheceu a menina Germa...

- Germa? Tia Gina não é uma Germa? – Soraya interrompeu a viagem.

- Menina, sossega-te. Espera. Ainda estamos no começo! – Vovó Rita ensinara sua neta a ouvir um caso sem perguntar, mas às vezes ela ainda era controlada pelo impulso.

Calada e atenta, Soraya estava de novo vendo toda a cena. Ela às vezes se imaginava como Dona Ritinha, e não como ela mesma. Era mais fácil entender a história, que às vezes não fazia sentido para quem não estivesse lá. Telhado, patos, pombas, roupas no varal, botas, janela...

Escutou uma gritaria dentro da casa, e momentos depois cinco mulheres saíram pela porta escancarada para fora. Estavam em ordem de tamanho, ruivas e com pés descalços. A primeira parecia não ter mais de vinte e cinco anos, cabelos encaracolados e presos em um rabo de longos comprimentos, carregava uma espingarda e parou apontando para a visitante: Gardem. A segunda devia ter completado seus vinte anos, cabelos curtos e igualmente encaracolados, mas arrumados; veio com um pincel comprido e o apontou para a estranha; Georgina. Terceira devia ter acabado de atingir a maioridade, cabelos ondulados e compridos, ela se aproximou e analisou. A quarta, idêntica, fez a mesma coisa, sussurrando no ouvido da irmã logo depois: Grima e Garria. A última parecia ter pouco mais de 14 anos, se parecia muito com Georgina, e carregava uma colher de pau, foi a que mais se aproximou: Gorina.

- O que você quer? – com a colher de pau, moveu o cabelo marrom que caíra na face da nossa coitada Roy.

- Grega mandou lhe entregar esse baú. – E quando o esticou a vista de todas, levaram a mão à boca.

- Grega foi pro céu! – Gorina gritou e abraçou a dona da notícia.


Sem entender nem metade dos acontecimentos Soraya interrompeu.

- Espera Vó! Não está fazendo sentido de novo.

- Você está se prendendo aos detalhes, pequena. Cinco irmãs, Gardem, Georgina, Grima, Garria e Gorina vieram me interrogar e analisar, mas caladas. Quando entreguei o baú para elas, entenderam que Gregória tinha partido. Gorina, a mais sentimental me abraçou, se entregando às lágrimas. As outras irmãs já sabiam sobre a doença de Grega e apenas se abalaram por momentos.

“Levaram-me para dentro. Não era tão estranho lá, se não fosse pela cor-de-abóbora que nos cercava. Demoraram algumas horas para se apresentarem, e se acalmarem. Gorina já tinha aceitado tudo, era uma família realmente estranha. Guardaram o baú na lareira, nunca me falaram o que tinha dentro, mas já tinha outros dois baús lá. Presumo que seja uma forma de enterro sagrado dos Germa.

“Órfãs. As Germa. Muito simpáticas...

- Achei vocês! – Miranda adentrou a sala bagunçada. – Pare de contar histórias Dona Ritinha, vai acabar com o senso de normal dessa pequena.

Miranda pegou Soraya no colo de novo. Começo a pensar que se Miranda tivesse interrompido a relação de avó e neta logo no começo da vida dela talvez... talvez, a pequena Soraya tivesse um pouco de senso do que é normal. Mas havia chegado quase uma década atrasada.

- O almoço está servido.

Soraya hesitou, mas sua avó levantou, guardou os botões no bolso do vestido florido e deu uma piscadela para neta.

- Tudo bem Miranda. Vamos, Soraya! Precisamos comer para alimentar nossos incríveis cérebros.

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